terça-feira, 25 de abril de 2006
Quem é ela?
Encontrei-a um dia desses por acaso. Mulher pacata, que vive para seu lar. Costura, cozinha, limpa, lava e algumas vezes passa. Não tem uma vasta biblioteca, mas uns poucos livros, os quais já leu e já não tem muito apetite para voltar a ler. Dizem que não usa agenda para marcar seus compromissos, porque não precisa. Em seu lugar tem um calendário de parede, que utiliza da mesma forma que o relógio: apenas para situar-se no tempo. Aliás, ela tem especial talento para a desorientação e não raras vezes não sabe em que dia do mês se encontra, ou ainda o dia da semana. Há bem pouco tempo voltou a diferenciar os dias comuns dos finais de semana, mas a passagem só lhe vem aos sentidos à sexta-feira à noite. Fala pouco, não tem um repertório muito rico e volta e meia repete-se, conta e reconta histórias velhas, cita sempre os mesmos autores de anos seguidos, e todas as novidades que sabe chegam pelo radio, ou pela TV, ou pela boca de alguém que visita o mundo fora de casa. Não costuma fazer muitos planos, por ter tantas dúvidas sobre tudo que fica inerte. Fico aqui pensando em quem sera esta mulher? Às vezes tenho a nítida impressão de já tê-la visto antes. Às vezes ela parece com alguém que conheço, mas não me lembro quem. Talvez seja personagem de algum livro que li, e minha mente faz trapaça e confunde-me. Não posso afirmar que eu a tenha encontrado antes. Não posso afirmar que alguma vez tenha visto seu rosto, antes de agora. Mas de tão estranha ela parece-me familiar. Se ela ao menos falasse um pouco mais, se dissesse coisas que fizessem algum sentido. Mas em lugar disso ela fica calada ou formulando frases repletas de não-seis e não-possos. Chama-se Maria, foi o que descobri há pouco. Entretanto ela própria parece não saber disto ao certo, pois sempre que pronunciam seu nome ela reage como se falassem de outra pessoa, e só depois de um certo tempo, ela parece lembrar-se que é dela que falam. Talvez seja um nome falso, talvez um pseudônimo. Quem sabe ela esconde uma identidade secreta, por algum motivo misterioso? Isso seria estimulante. Pensando bem, duvido que seja isso. Seja como for, quero descobrir quem é esta mulher que vive tão perto de mim, sendo uma completa estranha.
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Um comentário:
Oi, obrigada por visitar o Verdade, vim conferir seus textos e logo ao te ler lembrei daquele livro de Julia Kristeva que diz como somos todos estrangeiros para nós mesmos! Gostei e voltarei!
Um abraço!
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