terça-feira, 30 de maio de 2006

Pensando em Sonhos

Sonhos Prometedores
Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão. Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca da nove horas, volta sempre a esquina da direita. O sonho que nos promete o impossível já nisso nos priva dele, mas o sonho que nos promete o possível intromete-se com a própria vida e delega nela a sua solução. Um vive exclusivo e independente; o outro submisso das contingências do que acontece.

Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'


A Diagonal da Vida
Ao olharmos o caminho que percorremos na vida, ao abarcarmos o seu «erróneo curso labiríntico» (Fausto), não podemos deixar de ver muita felicidade malograda, muita desgraça atraída, e talvez facilmente exageremos nas repreensões a nós mesmos. O curso da vida não é certamente a nossa obra exclusiva, mas o produto de dois factores, a saber, a série dos acontecimentos e a das nossas decisões. Séries que sempre interagem e se modificam reciprocamente. Além disso, há o facto de que, em ambas, o nosso horizonte é sempre bastante limitado, na medida em que não podemos predizer com muita antecipação as nossas decisões e muito menos prever os acontecimentos; na verdade, de ambos conhecemos com justeza apenas os acontecimentos e decisões actuais.Sendo assim, enquanto o nosso alvo está longe, não podemos dirigir-nos directamente para ele, mas só por aproximações e conjecturas, amiúde tendo de bordejar. Tudo o que conseguimos é tomar decisões sempre segundo a medida das circunstâncias presentes, na esperança de fazê-lo bem, para desse modo nos aproximarmos do alvo principal. Na maioria das vezes, portanto, os acontecimentos e as nossas intenções básicas são comparáveis a duas forças que agem em direcções opostas, sendo a diagonal resultante o curso da nossa vida.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'


Sonhos sem Ilusões
Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos. Atingirás assim o ponto supremo da abstenção sonhadora, onde os sentimentos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideias se interpenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns a outros, os ódios sabem a amores, e as coisas concretas a abstractas, e as abstractas a concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde.

Fernando Pessoa, in 'O Livro do Desassossego'

Nota vocabular: Em Portugal, o verbo saber pode ter o sentido de ter sabor de. Ex.: Este suco sabe a goiaba. (Aqui usado por Pessoa ao dizer que os sons sabem uns aos outros...)

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Missing List

Ontem entrei na brincadeira de fazer a hate list, com aquelas coisas e pessoas que de certo modo fazem parte do nosso contexto pessoal e/ou coletivo, mas que desejaríamos que não estivessem. Hoje resolvi continuar brincando de listinha, mas a lista de hoje é mais leve e um tanto nostálgica. Desta vez proponho listar
as coisas que amamos e de certa forma estão longe, seja no tempo, seja no espaço mas que gostaríamos de trazer para perto.



3 coisinhas que eu sinto falta ou saudade

Família

  • Minha mãe

  • Cecé e meus outros irmãos

  • Meu sogro

Lugares/momentos


  • A varanda de nossa casa no interior

  • Beira-mar no final da tarde

  • Tasquinha em Braga(PT) com minha sogra

Amigos

  • Dona Rita

  • Dri

  • Rê Camara

Televisão


  • Sitio do Picapau Amarelo (versao antiga)

  • Daniel Azulay

  • Jô 11 e meia (o programa atual tinha de estar na lista de ontem)


Acontecimentos sociais


  • Movimento pelas Diretas Já

  • Os domingos vendo o Senna correr (e ganhar)

  • Os desfiles de 7 de setembro de quando eu era criança (bizarro?)


Acontecimentos artísticos


  • Os festivais de MPB

  • Show (da chuva) da Marisa Monte

  • Rossicreuza



Sentimentos


  • Esperança/crença no Lula

  • “Em casa estamos a salvo”

  • “Felizmente o Brasil é um país pacífico, onde não há guerra” (Sentíamos e pensávamos assim)


Comidas


  • Picanha

  • Queijo de coalho assado

  • Natinhas de Portugal



Coisas que quase ninguém gosta mas eu amo



  • Moacir Franco

  • Estudar

  • Oswaldo Montenegro



As três coisas mais adoráveis no Brasil



  • O povo, sua solidariedade e capacidade de tirar leite de pedra

  • As belezas e riquezas naturais

  • A língua portuguesa



As três coisas mais adoráveis

em Portugal


  • Minha sogra

  • O clima e a comida

  • A língua portuguesa



As três coisas mais adoráveis no Reino Unido


  • O sistema público de saúde

  • O acesso à educação

  • E as charity shops (hehehe)


Quer brincar tb?

domingo, 28 de maio de 2006

Hate list

Vi a listinha da Denise, que viu a da Adri Amaral, e tambem resolvi fazer a minha:

3 coisas que eu ODEIO:

Cantoras
Kylie Minogue
Beyonce
Jennifer Lopez

Cantores
Robbie Williams
Will Young
Latino

Bandas
Charlie Brown Jr
Sugar Babies
Sepultura

Músicas
Florentina
Morango do Nordeste
Todas dos Mamonas Assassinas

Filmes
Rodas da morte
O retorno do soldado do Ryan
O Senhor dos Anéis

Atrizes
Julia Roberts
Angelina Jolly
Maitê Proença

Atores
Tarcísio Meira
Roger Moore (e todos os James Bond)
Francisco Cuoco

Escritores
JK Rowling
JK Rowling (vale por 2)
Paulo Coelho

Eventos de Massa
Carnaval
Micareta
Pocissão/romaria

Comidas
Carne de porco e derivados
Lulas
Fish and ships

Fenômenos Sociais
Xenofobismo e racismo
Machismo
Violência urbana

Políticos
Hugo Chaves
Robert Mugabe
Mahmoud Ahmadinejad (do Iran)

Coisas que quase todo mundo adora, mas eu detesto
Cerveja
Lugares badalados
Seguir a moda

Troféu mais detestáveis do Brasil
FHC
Cid Moreira
Padre Pinto

sábado, 27 de maio de 2006

O retorno da Branca de Neve

Durante alguns anos acostumei-me a identificar-me com o estereótipo da Branca de Neve, especialmente a versão de Walt Disney, com seu vestido misturando as cores básicas, saia amarela, blusa azul com mangas fofas e gola ampla e alta. Os pequeninos, ao me verem usando a vestimenta, faziam-me pensar que eu de fato era uma personagem saída de algum conto, e vivia aquela magia por alguns instantes. Depois era hora de mostrar minha cara verdadeira, vestir minhas próprias roupas e voltar a ser eu mesma, mas não sem ter de responder inúmeras vezes que não, não era eu que tinha me vestido de Branca de Neve. Os pequenos me perguntavam isso quase me pedindo que negasse, para manter viva a doce magia de ter encontrado a princesa em carne e osso em pleno pátio da escola.

Havia sempre uns pequenos mais matreiros e menos afeitos ao mundo da fantasia e que ao contrário dos amantes da fantasia, queriam que eu assumisse firmemente ter vestido uma roupa de mentirinha e me feito passar pela princesinha de cabelos cor de ébano. Ao contrário dos outros, estes queriam ter certeza de que estavam bem lúcidos e que não haviam embarcado nessa coisa infantile de crer na fantasia, na magia dos contos de fadas.

Não sei quem havia embarcado mais profundamente na brincadeira de imaginar, se aqueles que sabendo que se tratava de uma roupa falsa, queriam ter o direito ao sonho ou se os que haviam sonhado de forma tão intensa a ponto de precisar de uma afirmação categorica de que se tratava de uma brincadeira de faz-de-conta. Talvez quem embarcasse com mais profundidade fosse eu mesma, de modo a ter sempre aquela roupa guardada e sempre arranjar um jeito de encaixar a Branca de Neve nas comemorações da semana da criança. Aquela roupa tinha sua magia toda própria, pois havia sido confeccionada a quarto mãos, por mim e minha mãe. Durante anos guardei aquela fantasia, e algumas vezes contentava-me em emprestá-la a alguma amiga que precisava da personagem em algum evento. Até que em uma de suas andanças a bela roupa foi e não mais voltou.

Esta semana reencontrei minha querida personagem, desta vez em tamanho bem menor e, dentro da roupa, uma menina linda, filha de uma amiga. A pequenina Branca de Neve tem o rostinho quase idêntico à sua mãe, mas foi a mim mesma que vi pedalando sua bicicletinha, vestida de princesa. Não foi a primeira vez que a filha de uma amiga fez-me recordar meus tempos de fantasia multicolorida. A primeira vez aconteceu anos mais cedo, no primeiro aniversário de outra pequenininha.

Diante da imagem da Branca de Neve ciclista, dei-me conta de que já não caibo na personagem, já não conseguiria fazer os pequenos embercarem no encanto de encontrar a princesa em carne e osso, mesmo assim, eu queria ter comigo aquele vestido, relíquia de um tempo fora do tempo, que talvez só exista dentro de mim.

sexta-feira, 26 de maio de 2006

Relembrando os avós


O texto de hoje foi escrito por uma grande amiga, que me permitiu transcreve-lo aqui. Obrigada, Claudinha!

As crônicas sobre avós me fez relembrar meus avós maternos e as inúmeras férias que passamos em sua casa, um sítio/fazenda no interior do Ceará. Era bom demais. Taí uma coisinha que me enche de saudade e que me faria voltar (sem pestenejar) no tempo, só pra reviver aqueles momentos: acordar cedo, tomar café com leite fresquinho, queijo de coalho da casa, tapioca com muuuiiiita manteiga, depois andar de cavalo, tomar banho de rio.

Gente do Céu! Os banhos de rio... eram bons demais. A gente precisava andar um pouco pra chegar até o melhor local pra banho. E o caminho era por dentro dos canaviais. Quantas vezes a gente num se arranhava todo? Mas no outro dia, lá estava a gente de novo fazendo a mesma trilha. E antes de entrar na trilha tinha que rezar:

"São Bento, água benta, Jesus Cristo no altar, saiam as cobras do caminho que eu quero passar"

Aí, pronto, podia ir sem medo que nenhuma cobra cruzaria nosso caminho.

E o almoço? Aquelas panelas de galinha caipira à cabidela!!! Nunca, mas nunca mesmo comi uma gallinha como as que a vovó fazia. E olhe que procuro, viu? Sempre que me falam de uma boa galinha caipira a cabidela vou lá conferir. Mas é impossível não lembrar e comparar com a da vovó. Tinha tb um bife que ela fazia com batatinha inglesa que era uma delícia. Só de lembrar dá água na boca. E sempre comíamos com banana. Ainda hoje tenho esse hábito. Ou banana ou rapadura.

Depois do almoço era a hora mais crítica, pois meus avós deitavam e a gente não podia dar um pio, senão.... aí a gente acabava indo pro estábulo que ficava do lado da casa. Mas mesmo assim a gente conversava sussurrando, pois o vovô tinha um sono muito leve e uma tal de dor de cabeça se fosse acordado.... Por isso, muitas vezes, para ser poupados de grandes "carões", a melhor opção era acompanhá-los na sesta. Aí a vovó enchia o alpendre de redes e a gente tirava aquele cochilo, com um ventinho tão forte que chegava a balançar a rede.

Normamelmente acordávamos com o som (barulhão, por sinal) da forrageira moendo cana pro gado. Aí, era hora do café com leite da tarde. Tinha uns bolachões que o vovô comprava na cidade que eram uma delícia. Nem mesmo em Fortaleza eu via delas pra vender. Depois da "merenda" era hora de ir andar estrada afora. Sempre com uma passadinha pela casa dos moradores que nos recebiam cheios de carinho, agrados... era um chazinho, um bombom azedinho ou piper, enqto eles repetiam uma ruma de história sobre um de nós qdo eramos "crianças", ou, aqueles mais antigos, sobre minha mãe ou meu tio, qdo jovens. Como vc colocou na sua crônica, eram histórias repetidas, mas sempre que ouviamos parecia ser a primeira vez. Aliás, muitas vezes a gente é que pedia: "conta aquela....."

Seis horas da tarde, todo mundo olhando pro céu, pra ver quem acharia a primeira estrela no céu. Quem achava tinha o direito de fazer a seguinte oração:

"Boa noite bela estrela, pela primeira que avistei. Fazei três cruzes no coração do fulano. Se eu ouvir porta bater, ele gosta de mim. Está pensando em mim se eu ouvir um assobio. Se cão latir, ele não gosta de mim".

Não raro, ouviamos um cão latir. Mas tb....

Pronto era hora de ir pra casa, pois o jantar já devia estar sendo servido. Isso mesmo. Cedinho.

Aí começava a sessão TV. A casa dos meus avós era a única que tinha TV pelas redondezas. Então era só começar a novela das seis pra sala começar a lotar. Vinha gente de todo canto assistir às novelas. Nós e nossos avós tinhamos lugar reservado. Os outros sentavam aonde dava. E era assim: na hora da novela, não podia ter zoada, pois o vovô, sempre enjoadinho com barulho, não podia perder uma cena... engraçado que nos intervalos todos saiam pro alpendre, pra conversar, pra fumar ou mesmo pra chupar um dindin, que a moça que morava com a vovó fazia e vendia pra ganhar uns trocados.

Na hora do jornal, não ficava quase ninguém. A maioria já ia embora. Nem esperava a novela das oito. A vovó, que tb não assistia o jornal, levava pro alpendre uma ruma de saca de feijão pra ser debulhado. Ali, formava uma roda ao redor dela e a gente mandava brasa debulhando feijão. Menina, era animado demais.

Bom, depois da novela das oito: rede. E íamos dormir sossegados pra no dia seguinte repetir tudo de novo, durante os trinta dias de férias, com poucas variações na rotina de um dia pro outro.

E, qdo acabavam as férias, que meus pais iam nos buscar, sempre era aquele chororô na despedida. Minha avó sempre se despediu da gente com tanta tristeza que parecia que nunca mais a veríamos....

Ah, tem uma parte especial que vou deixar proutro dia pra num encompridar muito, mas é o acesso até a fazenda, que naquele tempo era um verdadeiro Rally que fazíamos, por dentro de lamas, rios.... é muita história...

Como lhe disse, fiquei muito inspirada.

(Texto de Ana Cláudia)

quinta-feira, 25 de maio de 2006

A voz do rádio

radio antigoHá coisas realmente engraçadas em nossas representações da vida cotidiana. Uma amiga minha me falou hoje sobre a voz que vem de dentro do rádio. Segundo ela, aquela voz empostada dos radialistas sempre foi uma espécie de ficção. As pessoas não falam em sua vida cotidiana com o mesmo tom dos radialistas. Pensando nisso, tentei eu mesma refazer meu modo de simbolizar isto e achei-me nos dias atuais em que o rádio ganhou um espaço nunca antes ocupado na minha vida.
Ouço radionovelas quase todos os dias. Isso mesmo, radionovelas. Se você pensa que isso é coisa do tempo da vovó, fique sabendo que é verdade, mas é também coisa dos dias atuais, se você ouve a BBC 4. Ouço não apenas as radionovelas, mas os programas de auditório, e auditório mesmo, com convidados ao vivo e só não a cores por razões óbvias. Ouço programas de humor daqueles em que um sujeito fica desenrolando um rosário de piadas, também é no rádio que temos os noticiários mais imparciais, chegando a superar em qualidade os jornais impressos. O que menos ouço no radio são os programas musicais. Estes ouço pela Internet, sempre rádios brasileiras ou portuguesas. De certa forma os meios de comunicação estão todos trocando os papéis em nossa casa. Vemos TV e “telefonamos” no computador, leio através do rádio, já que há também um excelente programa literário em que semanalmente são lidos livros -- coisa que sempre amei foi leitura em voz alta, fosse lendo, fosse ouvindo. Gosto que aprendi com minha mãe. Há também outro programa em que há discussões sobre algum livro, algumas vezes com a presença do próprio autor.

Muitos dos nossos antigos hábitos mudaram, hoje assistimos telenovelas, coisa que eu sempre detestei. Acompanhamos juntos a Sinhá Moça com fidelidade invejável. Já a TV propriamente dita, só é ligada pela manhã, quando meu filhote fica cantando e dançando diante da programação infantil. Algumas raras vezes vejo com ele algum programa da tarde, outras vezes é mesmo o rádio que me faz dar risadas enquanto cuido dos afazeres domésticos. Hoje em dia entendo por que as trabalhadoras domésticas são o público mais fiel do rádio. Nada pode encher melhor o espaço vazio de uma cozinha lotada de trabalho a fazer do que a doce voz dos radialistas, sejam os que empostam a voz, sejam os que dão um tom cômico às mesmas. Sem falar nos rádio-atores, que dão vida a cenas que conseguimos visualizar com uma assustadora nitidez, sem tirar os olhos da louça ou da comida sendo preparada.

E tudo isso porque a Ana disse que achava que a voz do rádio era ficcional! Ela mesma deu-se conta de sua visão disto, ao ouvir no rádio a voz real do marido real de uma amiga real. Pleonasmos à parte, o que eu quis dizer foi que o fato da voz do rádio ter um rosto identificável, que normalmente pode ser visto ao lado da nossa amiga, de quem ele é o marido, trouxe o paradoxo da voz ficcional. Seria com aquela voz empostada que nosso amigo diria à nossa amiga: “querida, cheguei” ? E Ana rendeu-se à sua imaginação, viajando por diversas cenas da vida diária, em que marido e mulher conversam normalmente, tendo o marido sempre aquela ficcional voz de rádio. Nossa outra amiga ainda não nos disse se a voz do rádio é uma ficção ou a verdadeira voz de seu amado, mas enquanto isso, deixo-me ir na brincadeira de imaginar, que a Ana começou.

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Para ver a lista de programas da rádio BBC 4: clique aqui

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Ainda sobre as avós

Ontem falei de minha mãe, que sendo avó faz as vezes de mãe, e fazendo as vezes de uma mãe ausente, voluntariamente ausente, diga-se, não recebe o reconheciomento, nem o amor merecido, da parte do neto quase filho.

Hoje, vendo meu filho brincar, fazendo mil peripécias pela casa, especialmente fazendo de conta que telefona, tento lhe ensinar a dizer “alô, vovó”. Estranho tentar incultir nessa cabecinha a noção deliciosa desta palavra, tão repleta de significados, tão adocicada por lembranças e (por que não ?) por esquecimentos. Estranho porque esse pequenino de olhos sedentos nunca viu suas vovós. Uma voz do outro lado da linha mandando beijinhos, ou dizendo coisas carinhosas está muito longe de compor a representação desta entidade saborosa, a vovó. Como transmitir por uma imagem numa webcam a fofura do colinho da vovó?

Se, precisamente no dia das mães, vi minha mãe expresser tristeza, e nesse mesmo dia ver sua tristeza ampliada por mais uma das atitudes desconcertantes de seu neto-filho, foi também nesse dia que senti a dor aguda de ser mãe tão longe dela.

Tantos dias depois daquele domingo, que deveria ser festivo, no qual fizemos de tudo para comemorar todos juntinhos, apesar da distância, sinto uma melancolia que se arrasta preguiçosa, estica-se toda, faz a cama e definitivamente decide meter-se debaixo das minhas cobertas e abraçar-me com seus múltiplos e longos tentáculos.
Assim, fico aqui, quietinha em meu quarto, olhando meu filhote brincar feliz, indiferente aos meus ais silenciosos, à espera do dia em que asas muilticores nos levarão a um continente e ao outro, para meu filho descobrir o encanto da palavra vovó.

terça-feira, 23 de maio de 2006

Avós e quartos

E por falar em avó...

Minha mãe é uma avó zelosa, que muitas vezes faz as vezes de mãe dos netos. Não somente de forma simbólica, mas no sentido literal, exercitando a difícil tarefa de substituir uma mãe ausente.

Hoje fui conversar com avó da Adri, lá no quartinho dos fundos, pulando as pedrinhas e todos os sinais do tempo. Sentamos juntas e com ela encontrei minha avó, mãe da minha mãe. Aquela que foi uma menina sofrida, criada sem mãe, por uma tia sisuda e distante. Aquela que não sabia o que fazer quando um filho pequeno a chamava no meio da noite, a que não abraçava, não beijava. E estranhamente fui encontrá-la ao lado de uma avó terna e carinhosa. A avó terna abria um album de fotos antigas e dizia: veja, esta é você, esta outra é sua primeira filha, estes são seus outros filhos…. E minha avó apertava os olhos tentando se reconhecer nas fotos que a avó carinhosa apontava, mas era a foto da primeira filha que a intrigava.

Ficamos ali, as três olhando fotos amareladas em meio a ramos de plantinhas parasitas que invadiram o quarto todo. Quando saí de lá, era minha mãe que segurava minha mão. Ou talvez fosse eu que segurasse a dela.

Sentei-me aqui, exatamente onde estou, em meu quarto, tão longe dos olhos de minha mãe. Seu olhar tristonho que a tecnologia me permitiu ver no dia das mães ainda está aqui. Foi uma avó desapontada que eu vi. Havia tentado suprir a falta da mãe e o neto retribuía o gesto com hostilidade e cobranças.

Minha mãe tem cada vez mais o estereótipo clássico da vovó e vendo de longe dói-me tanto não poder tocar-lhe a brancura dos cabelos. Eu queria renovar o antigo album, colar ali fotos de momentos felizes. Queria revelar uma foto em que o olhar de minha mãe refletisse desejo, sonho, vida.

Fico agora, neste quarto distante, que não guarda resquício algum de memória, não segreda fatos vividos no passado, nem entende nada de avós que trazem o passado de volta para alimentar as raízes dos netos. Estou aqui.

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Asas e portas

Este fim-de-semana nossa casa viajou para Portugal. Andamos por Lisboa, por Braga, pelo Alentejo e Algarve em busca de encontrar sua sombra. Antes de viajar para Portugal ela sempre dá uma passada pelo Brasil, e quando ela faz isso, também seguimos seus passos e nos banhamos ao sol do nordeste, visitamos o irmão querido em Brasília e estudamos a geografia do Paraná.

Mas depois destas viagens, acabamos voltando para cá, enxergando em Londres a perspectiva mais viável para a próxima parada. Nossa casa já visitou o Canadá, mas lá não chegamos a segui-la, faltava-nos um abraço amigo a nos acolher. Abraço que nos aguarda no Kentucky.

Volta e meia nossa casa levanta acampamento e se embrenha em novas possibilidades, levando-nos de carona, na boléia de suas hipóteses.

Nesta semana que começa, continuamos repletos dos cheiros de Portugal, de suas cores, sua [nossa] gente. Enquanto isso, pisamos o solo de sua majestade, à espera de algo que nos ajude a construir uma casa com asas em lugar de portas.

sábado, 20 de maio de 2006

mal explicado




Que fique muito mal explicado.
Não faço força para ser entendido. Quem faz sentido é soldado.

(Mário Quintana)

domingo, 14 de maio de 2006

A Lista

Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber
Quantas mentiras você condenava
Quantas você teve que cometer
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você

Oswaldo Montenegro

sexta-feira, 12 de maio de 2006

Feliz ano novo

Houve um tempo em que o inverno era para mim um enorme obstáculo, que levava penosos meses a tulipas vermelhasultrapassar. Não conseguia entender quando ouvia ingleses dizerem que não suportariam viver numa terra em que fosse verão o ano todo. Logo eu que tinha vindo da terra da luz, banhada de sol praticamente todos os dias do ano.

Mas desde que meu filho nasceu, a chegada da primavera passou a dar todo o sentido ao inverno pesado. Os primeiros dias de sol acenam com a promessa de vida renovada. Os primeiros dias em que os casacos podem ficar pendurados em casa dizem-nos que uma nova etapa se inicia e o corpo parece implorar por roupas leves, coloridas, alegres. Feliz ano novo! A primavera deveria marcar o começo do ano. Na verdade ela é, ainda que o calendário gregoriano discorde do calendário vital.

A primavera por aqui vem sempre com certa timidez. Alguns dias deixa que o inverno pegue carona em sua bondade e faz frio, sopra gelado, chove morosamente. Mas aos poucos ela reconhece-se dona do tempo, e reinvindica seu direito de florir sossegada, banhada de sol e luz. Isso acontece exatamente quando o verão já lhe bate de leve à porta dizendo: estou chegando!

E que ele venha, que traga ainda mais luz, mais calor, sorvetes, passeios no parque, crianças criançando sobre a grama verdinha (e não úmida), e uma sede de viver cada dia intensamente, aproveitando cada mínimo raio de sol, como quem sabe que o outono está à espreita.

Como diz a canção here comes the sun…

Tulips pictured by myself on 26/04/06

quinta-feira, 11 de maio de 2006

Hoje o Chico fala por mim

Alô, liberdade

Desculpa eu vir

Assim sem avisar

Mas já era tarde

E os galos tão

Cansados de cantar

Bom dia, alegria

A minha companhia

Vai cantar

Sutil melodia

Pra te acordar

Quem vai querer tocar trombeta

Pem pererém pererém

Pempem

Quem vai querer tocar matraca

Tracatracatraca

Tracatraca

Quem vai de flauta e clarineta

Fi fiririFiriri fifi

Quem é que vai de prato e faca

Taca cheque taca

Chequetaca checá

Quem vai querer sair de banda

Pan pararanPararan panpan

Hoje a banda sairá

Alô, liberdade

Levanta, lava o rosto

Fica em pé

Como é, liberdade!

Ah, dona liberdade...

Vou ter que requentar

O teu café

Bom dia, alegria

A minha companhia

Vai cantar

Em doce harmonia

Pra te alegrar

Quem vem com a boca no trombone

Pom pororom pororom pompom

Quem vem com a bossa no pandeiro

Chá carachá carachá chachá

E quem só toca telefone

Trim tiririm Tiririm trintrim

E quem só canta no chuveiro

Trá tralalá tralalá lalá

Quem vai querer sair na banda

Pan pararan

Pararan panpan

Hoje a banda sairá

Ah, sairá, sairá, sairá

Laiaralaialaialaiá

Hoje a banda sairá

Olá, liberdade!

Alô, liberdade
Enriquez - Bardotti - Chico Buarque/1981
Para o filme Os Saltimbancos trapalhões

sábado, 6 de maio de 2006

My name is Freedom

wiriting in English is like enter in someone else's house and try to tidy up things that don't belong to you. However, today I received a post and Clough has showed me that there is one language that is more like a house of everyone who can pass the door. The result was a small piece of something I cannot lable yet, which I would like to share:


My name is Freedom. You may think that it is a nickname, but it is not. Freedom is my real name. But when I was born, for a reason that is unknown by me until now, my parents decided to give me a nickname and tell everyone that it was my real name.
For a long time I forgot my name. I was too used to be called by the nickname Rose that I almost lost Freedom.
If you ask me why or how I found my real name I cannot give you a rational nor logical answer. I only can say that it came to me saying “here I am”. The name told me those words as I had called it back. That “here I am” was a response to a request which I cannot remember me doing.
Regardless of all the bizarreness of the situation I am trying to describe here and now, it was the clear beginning of my determined journey to find myself. Not a mere “myself” but the deep meaningful sense of being who I am wherever I go, stay or leave.
Being Freedom after years acting and thinking like Rose made up a third person, which is an intersection between the two women without being one or other. The intersectional person is a kind of amorphous living being. Since I met Freedom again, I am slowly undressing Rose’s clothes. She is still here, but just packing her things while Freedom walks all over the place, deciding where to put her books, her music, her poetry, her art and where herself will lye down at night to talk to the stars.



Digg!