quinta-feira, 25 de maio de 2006

A voz do rádio

radio antigoHá coisas realmente engraçadas em nossas representações da vida cotidiana. Uma amiga minha me falou hoje sobre a voz que vem de dentro do rádio. Segundo ela, aquela voz empostada dos radialistas sempre foi uma espécie de ficção. As pessoas não falam em sua vida cotidiana com o mesmo tom dos radialistas. Pensando nisso, tentei eu mesma refazer meu modo de simbolizar isto e achei-me nos dias atuais em que o rádio ganhou um espaço nunca antes ocupado na minha vida.
Ouço radionovelas quase todos os dias. Isso mesmo, radionovelas. Se você pensa que isso é coisa do tempo da vovó, fique sabendo que é verdade, mas é também coisa dos dias atuais, se você ouve a BBC 4. Ouço não apenas as radionovelas, mas os programas de auditório, e auditório mesmo, com convidados ao vivo e só não a cores por razões óbvias. Ouço programas de humor daqueles em que um sujeito fica desenrolando um rosário de piadas, também é no rádio que temos os noticiários mais imparciais, chegando a superar em qualidade os jornais impressos. O que menos ouço no radio são os programas musicais. Estes ouço pela Internet, sempre rádios brasileiras ou portuguesas. De certa forma os meios de comunicação estão todos trocando os papéis em nossa casa. Vemos TV e “telefonamos” no computador, leio através do rádio, já que há também um excelente programa literário em que semanalmente são lidos livros -- coisa que sempre amei foi leitura em voz alta, fosse lendo, fosse ouvindo. Gosto que aprendi com minha mãe. Há também outro programa em que há discussões sobre algum livro, algumas vezes com a presença do próprio autor.

Muitos dos nossos antigos hábitos mudaram, hoje assistimos telenovelas, coisa que eu sempre detestei. Acompanhamos juntos a Sinhá Moça com fidelidade invejável. Já a TV propriamente dita, só é ligada pela manhã, quando meu filhote fica cantando e dançando diante da programação infantil. Algumas raras vezes vejo com ele algum programa da tarde, outras vezes é mesmo o rádio que me faz dar risadas enquanto cuido dos afazeres domésticos. Hoje em dia entendo por que as trabalhadoras domésticas são o público mais fiel do rádio. Nada pode encher melhor o espaço vazio de uma cozinha lotada de trabalho a fazer do que a doce voz dos radialistas, sejam os que empostam a voz, sejam os que dão um tom cômico às mesmas. Sem falar nos rádio-atores, que dão vida a cenas que conseguimos visualizar com uma assustadora nitidez, sem tirar os olhos da louça ou da comida sendo preparada.

E tudo isso porque a Ana disse que achava que a voz do rádio era ficcional! Ela mesma deu-se conta de sua visão disto, ao ouvir no rádio a voz real do marido real de uma amiga real. Pleonasmos à parte, o que eu quis dizer foi que o fato da voz do rádio ter um rosto identificável, que normalmente pode ser visto ao lado da nossa amiga, de quem ele é o marido, trouxe o paradoxo da voz ficcional. Seria com aquela voz empostada que nosso amigo diria à nossa amiga: “querida, cheguei” ? E Ana rendeu-se à sua imaginação, viajando por diversas cenas da vida diária, em que marido e mulher conversam normalmente, tendo o marido sempre aquela ficcional voz de rádio. Nossa outra amiga ainda não nos disse se a voz do rádio é uma ficção ou a verdadeira voz de seu amado, mas enquanto isso, deixo-me ir na brincadeira de imaginar, que a Ana começou.

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Para ver a lista de programas da rádio BBC 4: clique aqui

Um comentário:

renata penna disse...

Seu texto me remeteu às minhas próprias memórias dessa tal 'voz ficcional'... os domingos na casa da minha avó, meu avô escutando rádio, eu e meu irmão brincando no quintal. Rádio pra mim remete a passado, hoje praticamente não escuto, culpa dessa febre de MP3...