Nos meus tempos de menina, a chegada do carteiro exercia um enorme fascínio sobre mim. Aquela voz que gritava “correio!” fazia meu coração saltar de emoção e minhas pernas apressarem-se para ir receber os envelopes. Naquele tempo, quase nunca havia algo para mim, exceto na época do Natal, quando eu recebia diversas retribuições aos cartões que eu cuidadosamente enviava com a devida antecedência. Acho que meus cartões de Natal de então eram na verdade mensagens cifradas. Eles diziam coisas graciosas em votos sinceros, mas por traz de cada palavra, de cada ilustração, de cada envelope, havia uma mensagem que dizia: “por favor retribua-me, para que o carteiro grite correio pra mim!” E funcionava. Boa parte dos amigos me mandava belos cartões de agradecimentos e desejos de feliz ano novo, os quais eu guardava e colecionava organizando por ano. Eles ainda existem lá no Brasil.
Exceptuando o período natalício, as únicas vezes em que o carteiro fazia meu coração saltar, minhas pernas correrem e minha boca sorrir ao olhar o envelope com meu nome escrito, era quando minha irmã, que morava noutra cidade, escrevia alguma cartinha.
Durante muitos anos a voz do carteiro continuou a exercer fascínio sobre mim, até que os muros ficaram altos, os portões fechados e os carteiros mudos, aprenderam a colocar as cartas em caixinhas, ou no caso da casa da minha mãe, a tocar a campainha ao invés de gritar “correio!”. Os anos passaram e eu já não estava em casa nos horários da passagem do correio. Era o porteiro quem me entregava os envelopes, majoritariamente timbrados e de conteúdo já previsível, mesmo antes de sua chegada. Pouco a pouco o encanto da surpresa trazida por mãos estranhas foi-se transubstanciando em novos significados. Depois veio a Internet com suas mensagens eletrônicas, e a fascinante voz do carteiro foi substituída por um aviso que dizia “você tem novas mensagens”. Mas jamais esse aviso substituiu a musicalidade daquela voz e nem as mensagens o encanto da letra impressa no papel, de próprio punho, com a força e o calor da emoção de quem escreve.
Em certo ponto da minha vida o carteiro mudou completamente sua significação. Nos meus primeiros dias neste país, um carteiro cometeu um erro que custou uma perda irreparável. Deixou uma caixa recheada com meus livros no meu vizinho. Depois de semanas de espera constatei o que tinha ocorrido e já não havia como recuperar meu tesouro, que havia sido formado durante anos e anos de amor dedicado à educação, à poesia, à literature e à arte. Companheiros de anos e anos foram parar numa lixeira, pela qual eu passei durante dias sem ouvir os gritos desesperados de Fernando Pessoa, Rubem Alves e Paulo Freire. Quando eu finalmente soube o que havia acontecido aos meus queridos, eles já não estavam lá. Depois disso, meu coração recusava-se a saltar de emoção com a chegada do carteiro. Todos eles me pareciam culpados. Eu não conhceia o rosto daquele ou daquela que havia extraviado minhas caixas, portanto todos os rostos lhe pertenciam. (Sei que a verdadeira culpa foi do vizinho)
Mais algum tempo se passou, mudei de endereço mais de uma vez, e finalmente superei minha mágoa dos carteiros e meu desprezo por aqueles depósitos de lixo verdes que tem no jardim de cada casa neste país.
E eis que esta semana fiz definitivamente as pazes com essa entidade encantada, os mensageiros contemporâneos, que caminham longas distâncias levando em sua bagagem respostas, perguntas, desejos e outras coisas menos poéticas também. As horas que antecedem a passagem do carteiro passaram a ter um sabor especial, passaram a dar às minhas manhãs aquela sensação doce de quem espera algo que deseja muito e sabe que está a caminho. Eis que hoje, ao ouvir a entrada das correspondências, pude reconhecer o som maravilhoso de um livro a dizer “correio!”
Agora tenho nas mãos não apenas um livro, mas a maçaneta de uma porta que ainda não decifrei inteiramente, mas sei que está lá.
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